INTERVENÇÃO NA PF

STF retoma julgamento sobre interrogatório de Bolsonaro à PF e testa ‘paz’ entre Poderes

Corte definirá se, na condição de investigado, presidente deverá prestar depoimento por escrito ou presencialmente

Bolsonaro diz que participa dos debates, mas que não aceitará provocações (Foto: Agência Brasil)

O STF (Supremo Tribunal Federal) tem na pauta desta quarta-feira (6) um debate que desagrada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A corte definirá o formato de depoimento que o chefe do Executivo, na condição de investigado, deverá prestar à Polícia Federal.

A questão é desdobramento do inquérito aberto no ano passado a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, após acusações de Sergio Moro de que o presidente queria intervir na PF. Bolsonaro nega.

Depoimentos e vídeos de uma reunião ministerial reforçaram a denúncia do ex-juiz, que deixou o comando do Ministério da Justiça em abril do ano passado. O foco da investigação, porém, é avançar sobre quais eram os possíveis interesses do presidente em investigações da corporação.

O debate sobre o formato do depoimento ocorre no momento em que o tribunal evita assuntos capazes de reaquecer a crise institucional entre os Poderes que chegou a seu ápice no 7 de Setembro.

Após nota em que Bolsonaro afirmou que não tinha a intenção de atacar a corte e seus integrantes, o Supremo contribuiu para arrefecer os ânimos.

Não deu andamento, por exemplo, pelo menos até a conclusão desta reportagem, a uma série de pedidos da oposição para que o presidente seja investigado pelas declarações do feriado.

Na avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro chegou a chamar o ministro Alexandre de Moraes, relator de investigações que miram o chefe do Executivo, parentes e apoiadores, de canalha e pregou desobediência às decisões do magistrado.

O julgamento sobre o modelo de interrogatório de Bolsonaro testará, portanto, a paz entre os Poderes costurada com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB). Responsável pela indicação de Moraes ao Supremo, o emedebista chegou a viajar a Brasília para tratar da crise.

O depoimento de Bolsonaro, segundo os investigadores encarregados do caso, é apontado como uma das providências finais da apuração relacionada à cúpula da PF.

A definição do Supremo sobre o formato de interrrogatório poderá servir eventualmente em outros inquéritos: o das fake news e o da prevaricação no caso das irregularidades na compra de vacinas contra a Covid-19. Bolsonaro é também investigado nas duas frentes de apuração.

Em outubro de 2020, o STF começou a julgar o caso da PF. Então relator, o ministro Celso de Mello afirmou que não seria admissível a concessão de “privilégios” e “tratamento seletivo” e defendeu que o presidente depusesse presencialmente à polícia.

O então decano sustentou que a legislação prevê o direito de ser interrogado por escrito apenas em casos em que a autoridade é testemunha do caso.

Após o voto de Celso de Mello, o presidente da corte, Luiz Fux, suspendeu a análise. Fux quis homenagear o colega e dedicou a sessão exclusivamente ao voto do colega, que se despedia da corte por aposentadoria.

No fim de novembro, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), Bolsonaro abriu mão de se justificar pessoalmente sobre a suposta interferência e ainda recusou oficialmente a possibilidade de defesa.

Alexandre de Moraes, que substituiu Celso de Mello na relatoria, negou o pedido do presidente para não depor, afirmando que caberá ao plenário definir como será o interrogatório, se presencial ou por escrito.

Em sua decisão, Moraes observou que um investigado tem direito a não produzir provas contra si próprio, permanecendo em silêncio em uma oitiva, se assim desejar. Mas que, jamais, ele pode se recusar a cumprir os procedimentos legais.

“Será o investigado quem escolherá o ‘direito de falar no momento adequado’ ou o ‘direito ao silêncio parcial ou total’, mas não é o investigado que decidirá prévia e genericamente pela possibilidade ou não da realização de atos procedimentais ou processuais durante a investigação criminal ou a instrução processual penal”, escreveu.

Bolsonaro nega interferência na Polícia Fdeeral, mas tentou forçar a substituição do chefe da corporação no Rio de Janeiro, base eleitoral do presidente e de dois dos seus filhos —o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Segundo o ex-ministro da Justiça, o chefe do Executivo pressionou pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril do ano passado.

No pedido de abertura de inquérito, Aras citou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

Em relação aos dois últimos tipos penais relacionados pelo procurador-geral da República, o alvo da apuração é o próprio Moro.

O ex-ministro reafirmou as acusações feitas ao pedir demissão do Executivo e detalhou sua relação com Bolsonaro. Sobre a suposta intromissão no trabalho da polícia, Moro revelou que, por mensagem, o presidente cobrou a substituição na Superintendência da PF no Rio de Janeiro.

“Moro você tem 27 superintendências [estaduais], eu quero apenas uma, a do Rio”, disse Bolsonaro pelo WhatsApp, segundo transcrição do depoimento de Moro à PF.

Além disso, o ex-ministro ressaltou que o chefe do Executivo teria reclamado e demonstrado a intenção de trocar a chefia da corporação em Pernambuco.