Supremo conclui julgamento e fixa tese que libera repasse de dados sigilosos
A única ressalva expressa é quanto à forma de comunicação entre os órgãos de investigação criminal (Ministério Público e polícia) e os órgãos de controle -a Receita e o antigo Coaf, rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira)
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu nesta quarta-feira (4) o julgamento sobre o repasse de dados sigilosos para o Ministério Público e a polícia sem autorização judicial, fixando uma tese que considera constitucional o procedimento.
A única ressalva expressa é quanto à forma de comunicação entre os órgãos de investigação criminal (Ministério Público e polícia) e os órgãos de controle -a Receita e o antigo Coaf, rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira).
A tese é uma espécie de resumo do que foi julgado e servirá para nortear a atuação tanto da Receita e da UIF como dos órgãos de investigação.
O debate sobre o tema foi concluído após seis sessões plenárias do STF. O processo ganhou repercussão política porque, no âmbito dele, em julho, o ministro Dias Toffoli paralisou todas as investigações e ações penais do país que tinham usado dados da UIF e da Receita sem autorização judicial.
A decisão liminar (provisória) de Toffoli naquela ocasião atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro e alvo de uma apuração do Ministério Público do Rio sob suspeita de desviar salários de servidores de seu antigo gabinete na Assembleia fluminense.
O plenário do Supremo revogou a liminar de Toffoli. A expectativa de membros do Ministério Público é que, com o término do julgamento, as investigações que foram suspensas já sejam retomadas, após análise caso a caso.
Na semana passada, por 9 votos a 2, os ministros decidiram que a Receita pode continuar compartilhando com o Ministério Público e a polícia suas representações fiscais para fins penais (RFFPs), sem necessidade de aval judicial prévio, incluindo íntegras de declaração de Imposto de Renda e extratos bancários.
Votaram nesse sentido os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Toffoli havia votado inicialmente por impor restrições ao teor do material compartilhado pela Receita, proibindo o repasse de declarações de IR e extratos bancários. Ao final, alterou seu voto para acompanhar a maioria.
Somente os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello foram restritivos: para eles, não pode haver qualquer compartilhamento de dado sigiloso sem autorização da Justiça, em respeito ao direito constitucional à privacidade.
A situação da UIF havia ficado menos clara na semana passada. Toffoli e Gilmar fizeram ressalvas ao procedimento de compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira (RIFs) elaborados pelo órgão.
Ambos enfatizaram que os relatórios não podem ser feitos “por encomenda” do Ministério Público e da polícia a não ser quando já houver investigação formal sobre o alvo ou tiver havido um alerta anterior da UIF sobre ele.
Toffoli e Gilmar também afirmaram que há casos concretos em que o Ministério Público pediu à UIF informações por meios não oficiais, como email –o que destacaram ser vedado.
As ressalvas feitas à atuação do órgão de inteligência têm semelhanças com os argumentos da defesa de Flávio Bolsonaro, que sustentou ao STF que o Ministério Público do Rio pediu informações sobre ele diretamente à UIF, inclusive com comunicações por email. O MP-RJ nega irregularidades.
Os demais ministros não haviam se debruçado sobre as observações feitas por Toffoli e Gilmar em relação à UIF. Havia dúvidas se a tese que seria fixada nesta quarta-feira incluiria essas ressalvas. Somente o ponto relativo às formas de comunicação ficou expresso no texto final.
A tese, formulada por Moraes e aprovada por 10 dos 11 ministros (a exceção foi Marco Aurélio), foi a seguinte:
1) É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional;
2) O compartilhamento pela UIF e pela Receita referido no item anterior deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Questionado ao final da sessão sobre o impacto da decisão no caso de Flávio Bolsonaro, Moraes respondeu que não conhece a investigação. Eventuais alegações de nulidade por descumprimento das regras fixadas pelo STF, nesse caso ou em outros, serão discutidas individualmente na Justiça depois.
“Eu não conheço o caso concreto. O que tem que analisar é o seguinte: o Supremo autorizou amplamente o compartilhamento de dados, não só da UIF como da Receita. Eu diria que, o que eu conheço, na minha experiência como promotor e secretário de Segurança [de São Paulo], é que em 99,9% dos casos, quando chega ou se pede a informação, já é formalizado [o procedimento]. Mas é importante colocar isso”, disse Moraes.
“A UIF mandou [os dados], tem que ser um procedimento formal que fique registrado quem mandou e o destinatário”, completou. “[Comunicação via] Email não, WhatsApp. Isso é para quem tem preguiça de fazer ofício. Estamos falando da vida e da intimidade de pessoas.”