INSPEÇÃO

TCU vê indícios de fragilidades na atuação do Exército como fiscal de CACs e clubes de tiro

Tribunal diz que casos se enquadram em crimes previstos no Estatuto do Desarmamento; documentos não permitem concluir se polícia foi avisada de irregularidades

TCU vê indícios de fragilidades na atuação do Exército como fiscal de CACs e clubes de tiro (Foto: Pixabay)

Uma auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) apontou indícios graves de fragilidade na atuação do Exército como ente fiscalizador de clubes de tiro, lojas de armas e CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).

A inspeção do tribunal de contas foi realizada no Exército para averiguar as políticas e sistemas implementados para o controle e a rastreabilidade de armas em circulação no país.

Segundo o TCU, há casos encontrados durante a fiscalização que se enquadram em crimes previstos no Estatuto do Desarmamento. Entretanto, os documentos não permitem concluir se as possíveis irregularidades foram encaminhadas à polícia.

Isso porque o Exército não apresentou parte das informações solicitadas, o que, na avaliação do tribunal de contas, atrapalhou o trabalho da equipe técnica. Os documentos apontam apenas que o Exército realizou autos de infração, originando processos administrativos.

O TCU citou alguns exemplos que deveriam ser de conhecimento da polícia, mas sobre os quais não há informação se isto ocorreu. É o caso do Centro de Treinamento Anvil, em Campinas (SP). O local, segundo a Força, comercializou munição recarregada de terceiros, o que é irregular. No documento de fiscalização consta apenas a apreensão de 4.983 munições.

O centro de treinamento confirmou à Folha que o caso não foi encaminhado à polícia. Segundo o clube, foi aberto um processo administrativo no Exército, mas a situação já foi resolvida. Disse ainda que somente oferece munição aos associados e que não as comercializa.

Outro exemplo é o caso da loja de armas São Domingos Caça e Pesca, em Manaus (AM). O estabelecimento teve 133.300 munições apreendidas por armazenar quantitativo acima do limite permitido. Os artigos continuaram em posse do local —como depositário do bem durante o procedimento— até a regularização da situação.

Houve também o caso do Spartan Clube de Tiro, em Salvador (BA). O local possuía arma de fogo sem comprovação de origem lícita. O documento de fiscalização informou apenas que a arma foi apreendida, mas ficou em posse da empresa, também como depositária durante o processo.

A loja de armas São Domingos informou que a situação foi regularizada no Exército. O Spartan Clube de Tiros foi procurado, mas não respondeu.

De acordo com o TCU, possuir, ter em depósito ou manter sob guarda arma de fogo, acessório ou munição em desacordo com determinação legal ou regulamentar é crime previsto no Estatuto do Desarmamento.

“A equipe de auditoria entende que essa falta de padrão na execução das ações fiscalizatórias do órgão compromete o sistema de controle de armas de fogo instituído e impacta negativamente a segurança pública do país”, disse o tribunal.

“Ademais, não apresentar os administrados em situação de possível infração criminal às autoridades competentes é uma infração gravíssima ao Estatuto do Desarmamento (arts. 12, 14 e 16), [e] às autoridades policiais, como determina o art. 301, do Código de Processo Penal”, completa a auditoria do TCU.

O Exército foi procurado pela Folha, mas não respondeu.

Segundo Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, se o Exército não tem capacidade para recolher armas em situação irregular ao fiscalizar e se omite na aplicação da lei, a Justiça deveria tomar providências urgentes.

“A Justiça deveria até investigar o porquê. Pode haver corrupção ou favorecimento. Não é uma opção, ele tem que cumprir a lei [enviar para autoridades policiais], que é bem clara”, avaliou o especialista.

Como a Folha mostrou, fiscalizações do Exército encontraram diversas irregularidades em clubes de tiro. Eles funcionam com falta de controle adequado de frequentadores ou mesmo sem alvará.

O Exército também encontrou loja armazenando armamentos acima do limite permitido e CACs com certificado de registro da arma de fogo vencido. Em todos os casos, o Exército disse apenas que autuou os locais.

Os técnicos do TCU pedem, inclusive, a abertura de um processo à parte sobre o tema devido aos indícios de graves fragilidades.

De acordo com a auditoria da corte, o Exército deixou de encaminhar outras informações solicitadas pelo tribunal de contas, como a quantidade de entidades de tiro e de CACs inspecionados e fiscalizados.

Também não foi repassada a quantidade de requerimentos de registro, aquisição e cadastramento de armas de uso permitido e restrito, apresentados por CACs e entidades de tiro, que foram indeferidos pelo Exército, entre outras perguntas.

Segundo o TCU, o não fornecimento de parte das informações solicitadas impossibilitou uma avaliação mais apurada das atividades de fiscalização do Exército aos CACs, clubes e lojas de armas.

“No caso em análise, as informações parciais prestadas corroboram o comportamento pouco colaborativo do órgão em relação às atuações deste tribunal, ao adotar postura reativa e não diligente no atendimento às demandas das equipes de auditoria, em ações legitimamente aprovadas pela corte de contas”, disse o órgão no documento.

A auditoria foi realizada pela Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional e Segurança Pública, entre novembro de 2021 e março de 2022. Ela ainda precisa ser analisada pelos ministros da corte.

A Folha já mostrou anteriormente outros problemas que impactam nas fiscalizações. Entre eles o fato do banco de dados do Exército ser incapaz de detalhar os tipos e calibres das armas armazenadas de CACs.

Os CACs são base política do presidente Jair Bolsonaro (PL) e foram beneficiados por uma série de normas do Executivo que ampliaram o acesso a armas e diminuíram o controle sobre armamentos.