TCU vê indícios de fragilidades na atuação do Exército como fiscal de CACs e clubes de tiro
Tribunal diz que casos se enquadram em crimes previstos no Estatuto do Desarmamento; documentos não permitem concluir se polícia foi avisada de irregularidades
Uma auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) apontou indícios graves de fragilidade na atuação do Exército como ente fiscalizador de clubes de tiro, lojas de armas e CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).
A inspeção do tribunal de contas foi realizada no Exército para averiguar as políticas e sistemas implementados para o controle e a rastreabilidade de armas em circulação no país.
Segundo o TCU, há casos encontrados durante a fiscalização que se enquadram em crimes previstos no Estatuto do Desarmamento. Entretanto, os documentos não permitem concluir se as possíveis irregularidades foram encaminhadas à polícia.
Isso porque o Exército não apresentou parte das informações solicitadas, o que, na avaliação do tribunal de contas, atrapalhou o trabalho da equipe técnica. Os documentos apontam apenas que o Exército realizou autos de infração, originando processos administrativos.
O TCU citou alguns exemplos que deveriam ser de conhecimento da polícia, mas sobre os quais não há informação se isto ocorreu. É o caso do Centro de Treinamento Anvil, em Campinas (SP). O local, segundo a Força, comercializou munição recarregada de terceiros, o que é irregular. No documento de fiscalização consta apenas a apreensão de 4.983 munições.
O centro de treinamento confirmou à Folha que o caso não foi encaminhado à polícia. Segundo o clube, foi aberto um processo administrativo no Exército, mas a situação já foi resolvida. Disse ainda que somente oferece munição aos associados e que não as comercializa.
Outro exemplo é o caso da loja de armas São Domingos Caça e Pesca, em Manaus (AM). O estabelecimento teve 133.300 munições apreendidas por armazenar quantitativo acima do limite permitido. Os artigos continuaram em posse do local —como depositário do bem durante o procedimento— até a regularização da situação.
Houve também o caso do Spartan Clube de Tiro, em Salvador (BA). O local possuía arma de fogo sem comprovação de origem lícita. O documento de fiscalização informou apenas que a arma foi apreendida, mas ficou em posse da empresa, também como depositária durante o processo.
A loja de armas São Domingos informou que a situação foi regularizada no Exército. O Spartan Clube de Tiros foi procurado, mas não respondeu.
De acordo com o TCU, possuir, ter em depósito ou manter sob guarda arma de fogo, acessório ou munição em desacordo com determinação legal ou regulamentar é crime previsto no Estatuto do Desarmamento.
“A equipe de auditoria entende que essa falta de padrão na execução das ações fiscalizatórias do órgão compromete o sistema de controle de armas de fogo instituído e impacta negativamente a segurança pública do país”, disse o tribunal.
“Ademais, não apresentar os administrados em situação de possível infração criminal às autoridades competentes é uma infração gravíssima ao Estatuto do Desarmamento (arts. 12, 14 e 16), [e] às autoridades policiais, como determina o art. 301, do Código de Processo Penal”, completa a auditoria do TCU.
O Exército foi procurado pela Folha, mas não respondeu.
Segundo Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, se o Exército não tem capacidade para recolher armas em situação irregular ao fiscalizar e se omite na aplicação da lei, a Justiça deveria tomar providências urgentes.
“A Justiça deveria até investigar o porquê. Pode haver corrupção ou favorecimento. Não é uma opção, ele tem que cumprir a lei [enviar para autoridades policiais], que é bem clara”, avaliou o especialista.
Como a Folha mostrou, fiscalizações do Exército encontraram diversas irregularidades em clubes de tiro. Eles funcionam com falta de controle adequado de frequentadores ou mesmo sem alvará.
O Exército também encontrou loja armazenando armamentos acima do limite permitido e CACs com certificado de registro da arma de fogo vencido. Em todos os casos, o Exército disse apenas que autuou os locais.
Os técnicos do TCU pedem, inclusive, a abertura de um processo à parte sobre o tema devido aos indícios de graves fragilidades.
De acordo com a auditoria da corte, o Exército deixou de encaminhar outras informações solicitadas pelo tribunal de contas, como a quantidade de entidades de tiro e de CACs inspecionados e fiscalizados.
Também não foi repassada a quantidade de requerimentos de registro, aquisição e cadastramento de armas de uso permitido e restrito, apresentados por CACs e entidades de tiro, que foram indeferidos pelo Exército, entre outras perguntas.
Segundo o TCU, o não fornecimento de parte das informações solicitadas impossibilitou uma avaliação mais apurada das atividades de fiscalização do Exército aos CACs, clubes e lojas de armas.
“No caso em análise, as informações parciais prestadas corroboram o comportamento pouco colaborativo do órgão em relação às atuações deste tribunal, ao adotar postura reativa e não diligente no atendimento às demandas das equipes de auditoria, em ações legitimamente aprovadas pela corte de contas”, disse o órgão no documento.
A auditoria foi realizada pela Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional e Segurança Pública, entre novembro de 2021 e março de 2022. Ela ainda precisa ser analisada pelos ministros da corte.
A Folha já mostrou anteriormente outros problemas que impactam nas fiscalizações. Entre eles o fato do banco de dados do Exército ser incapaz de detalhar os tipos e calibres das armas armazenadas de CACs.
Os CACs são base política do presidente Jair Bolsonaro (PL) e foram beneficiados por uma série de normas do Executivo que ampliaram o acesso a armas e diminuíram o controle sobre armamentos.