Três parlamentares do PSOL sofrem ameaças e atentados em SP em uma semana
Na madrugada de terça (26), a casa da covereadora Carolina Iara (PSOL), 28, foi atingida por pelo menos dois disparos de arma de fogo
A casa da covereadora Samara Sosthenes, 33, integrante do mandato Quilombo Periférico do PSOL, eleito para a Câmara de Vereadores de São Paulo, foi alvo de um atentado na madrugada deste domingo (31). Um homem em uma moto efetuou disparos para o alto em frente à residência onde estavam Samara, a mãe e os irmãos. Ninguém se feriu.
Um boletim de ocorrência foi registrado no domingo (31) no centro da capital, no Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
Nesta semana, é a terceira vez que uma mulher envolvida na política paulista é atacada. Na madrugada de terça (26), a casa da covereadora Carolina Iara (PSOL), 28, foi atingida por pelo menos dois disparos de arma de fogo. No mesmo dia, a vereadora Erika Hilton (PSOL), primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, registrou um boletim de ocorrência (B.O.) por ameaça após ser procurada em seu gabinete por um homem portando uma bandeira e máscara com símbolos cristãos, autodenominado “garçom reaça”.
“Fiquei muito assustada com os acontecimentos. A gente percebe que não é um fato isolado, é uma tentativa de silenciamento, de nos coagir”, afirmou Samara Sosthenes.
Nordestina, Samara se identifica como travesti e mora na ocupação Prestes Maia, no centro de São Paulo. Militante do movimento negro, de mulheres e LGBTQIA+, foi integrante do movimento de moradia por três anos atuando como coordenadora de ocupações no extremo da Zona Sul e no Centro de São Paulo. Também atua como voluntária na Pastoral do Povo de Rua com a população em situação de rua e de extrema vulnerabilidade.
O caso ocorreu exatos dois dias depois do Dia Nacional da Visibilidade Trans, na última sexta-feira (29), quando a covereadora se envolveu em diversas atividades, algumas ao lado de Iara e Erika.
Samara Sosthenes diz que nunca recebeu ameaças via redes sociais, mas que, desde os ataques às colegas, reforçou a segurança e está sendo acompanhada. “A gente precisa pensar em um novo protocolo de segurança. Para mim, para a Iara e para as outras mulheres da bancada”, diz.
“A gente acredita, sim, que é um crime transfóbico e político”, disse Samara Sosthenes.
Na madrugada de terça-feira, a covereadora Carolina Iara foi acordada por sua mãe, Maria Adalgisa, que ouviu o barulho de dois tiros. O caso foi registrado como “disparo de arma de fogo” e “dano” e a perícia foi pedida imediatamente.
Imagens obtidas por uma câmera de segurança mostraram um veículo Palio branco, com película escura nos vidros, parado em frente da casa de Iara por aproximadamente três minutos. O autor ou autores dos disparos atiraram por meio de uma grade no portão da casa e os disparos, afirma a vereadora, atingiram, a princípio a parede externa de sua casa.
“Na democracia, não precisa ter segurança [pessoal] para fazer política”, afirmou Carolina Iara, antes de falar ao DHPP
Carolina Iara é uma pessoa intersexo (pessoa com características físicas e genéticas dos dois sexos) que se identifica como travesti.
No mesmo dia, a vereadora Erika Hilton, primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, registrou um boletim de ocorrência (B.O.) por ameaça após ser procurada em seu gabinete por um homem portando uma bandeira e máscara com símbolos cristãos, autodenominado “garçom reaça”.
Erika registrou no B.O. que a situação a “constrangeu profundamente” e disse sentir que sua integridade física está em risco.
No início do ano, a parlamentar processou 50 pessoas por ameaças contra ela nas redes sociais. Ela conta que, em janeiro, um funcionário da Câmara passou a telefonar para seus canais públicos de contato, tentando constranger a vereadora e seus assessores. O episódio a levou a solicitar à presidência do Legislativo paulistano dois guardas civis para fazer sua segurança — o pedido ainda está sem resposta. Desde então, tem trabalhado com as portas do gabinete trancadas.
“Isso é violento. No episódio do ‘garçom reaça’, precisei me esconder dentro do meu próprio gabinete”, lamentou Erika Hilton
A vereadora acredita, no entanto, que ainda é cedo para falar em ação coordenada e cobra que investigações sejam conduzidas pela Polícia Civil e pelas demais autoridades do estado.
PSOL debate segurança de vereadoras
O UOL apurou que o PSOL se reunirá nesta semana para discutir quais atitudes vai tomar e as estratégias para pressionar as instituições pela segurança de suas parlamentares. O sentimento em relação aos eventos da última semana é de choque, e o assassinato a tiros da vereadora Marielle Franco, em 2018, uma história que a legenda não quer ver se repetir.
Na sexta-feira (29), entidades de direitos humanos e mandatos do PSOL enviaram um apelo urgente ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos denunciando os ataques a Carolina Iara e Erika Hilton.
“Infelizmente, tais episódios representam um conjunto de atos sistêmicos de violência política que são cotidianamente praticados contra mandatos eleitos de mulheres negras, em especial mulheres negras transexuais, no Brasil”, diz o apelo.
O Quilombo Periférico, de Samara Sosthenes, estava entre os signatários do documento, ao lado da Coalizão Negra Por Direitos, Instituto Marielle Franco, Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Justiça Global e Terra de Direitos e dos mandatos de Erika Hilton e da Bancada Feminista.
A representação pede que as autoridades de São Paulo investiguem as ações contra as mulheres negras e transexuais eleitas e monitorem os casos denunciados de violência política. O apelo lembra ainda o caso da deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), que já denunciou à ONU, à Câmara dos Deputados e à Polícia do Rio de Janeiro as ameaças de morte que recebeu.
“No Brasil persiste um cenário de permissividade para que assassinatos como o de Marielle Franco continuem ocorrendo, não tendo o Poder Público agido desde a morte de Marielle para evitar a repetição de crimes políticos tão bárbaros quanto esse às mulheres negras e transexuais que têm sido eleitas para exercer mandatos políticos”, escreveram as entidades.
‘Ameaça constante’, diz Isa Penna
A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) relata um cotidiano de ameaças constantes na internet. “Desde que fui candidata a primeira vez, em 2014, já tenho três boletins de ocorrência de pessoas que diziam que iam me matar. Se contar perfil de ameaça que vem desses ‘fakes’, já fui ameaçada de estupro corretivo, as ameaças sexuais são muito constantes”, conta.
Em dezembro, Isa registrou um boletim de ocorrência por assédio sexual contra o colega Fernando Cury (Cidadania), que a apalpou no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, durante uma sessão. Até agora, ela diz não ter recebido nenhuma manifestação do presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), ou do governador João Doria (PSDB). “O que é uma infelicidade para todas as mulheres”, opina.