UE pressiona Bolsonaro e vincula pacto do Mercosul à defesa da Amazônia
Dos 28 membros da UE, 17 responderam enquete sobre vinculação do acordo Mercosul-UE com a proteção da Amazônia e Meio Ambiente. Irlanda e França ameaçam claramente suspender tramitação
Os países-membros da União Europeia (UE) seguem dando crédito ao acordo comercial firmado com o Mercosul, mas já não têm meias palavras ao vincular sua implementação à agenda do governo para a Amazônia e o combate ao aquecimento global.
O sentimento europeu fica evidente em enquete feita pela Folha de S.Paulo com as chancelarias dos 28 membros do bloco. Destes, 17 responderam, 8 se calaram e 3 disseram que não participariam.
Dos que responderam à reportagem, somente Irlanda e França ameaçam claramente suspender a tramitação do acordo até que haja medidas concretas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) para proteger a Amazônia.
Os outros 15, com maior ou menor grau de dureza, dizem estar comprometidos com o acordo comercial, mas usam a questão ambiental como instrumento de pressão.
Maior economia do bloco, a Alemanha afirmou à Folha de S.Paulo que sua posição está expressa numa fala do ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, do último dia 27.
“As políticas ambiental e climática são centrais para a avaliação do acordo [com o Mercosul]. É especialmente importante reforçar esse ponto no atual momento”, declarou o ministro.
O mesmo tom de ameaça velada adota a Holanda. “A União Europeia deve estar preparada para usar suas relações comerciais de uma forma inteligente e estratégica, para exercer pressão caso necessário”, disse a ministra das Relações Exteriores, Sigrid Kaag, também via assessoria.
O acordo foi fechado em junho após 20 anos de negociação e reúne economias que, somadas, têm PIB de US$ 22 trilhões e população de 777 milhões de pessoas.
Mais de 90% das tarifas entre os dois blocos devem ser eliminadas quando o acordo comercial estiver implementado, o que ainda deve demorar ao menos dois anos.
Para entrar em vigor, contudo, é preciso que uma série de etapas sejam cumpridas, a primeira delas a aprovação pelo Conselho Europeu, que reúne os governos dos 28 países (em breve 27, com a iminente saída do Reino Unido do bloco).
Provavelmente o acordo precisará do apoio combinado de países que representem 65% da população, embora as regras para aprovação ainda não tenham sido detalhadas pelas partes.
Depois, a parte comercial do acordo tem de passar pelo Parlamento Europeu. Outros temas, inclusive os de meio ambiente, precisam ainda ser aprovados pelos Legislativos nacionais. Os quatro sócios sul-americanos (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) também devem chancelar o acordo.
Alguns dos menores Estados-membros da União Europeia estão entre os mais vocais na cobrança ao Brasil, talvez porque sabem que podem ser o fiel da balança para a aprovação do acordo.
Com 2 milhões de habitantes e uma área comparável à de Sergipe, a Eslovênia disse em nota que “o sucesso do acordo depende do respeito a normas e princípios comuns, particularmente na área do desenvolvimento sustentável e da luta contra a mudança climática”.
Ainda menor, Luxemburgo, com 600 mil habitantes e um terço da área da Grande São Paulo, afirmou em nota que a agenda ambiental é uma “precondição” para o acordo comercial.
“Gostaríamos de ver um claro empenho político na implementação do Acordo de Paris [sobre o clima] e na luta contra o desmatamento antes de o acordo UE-Mercosul ser concluído”, afirmou a chancelaria do pequeno país.
Já a Suécia afirma que “ainda é” favorável ao acordo comercial. “Ao mesmo tempo, é essencial que nossos parceiros de comércio contribuam para a resposta global à ameaça de mudança climática”, declarou o Ministério das Relações Exteriores do país nórdico.
A desconfiança dos europeus sobre o empenho brasileiro no combate ao aquecimento global não é gratuita. Já colocaram em dúvida esse fenômeno, que tem amplo consenso entre cientistas, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, os filhos de Bolsonaro e o filósofo Olavo de Carvalho, entre outras pessoas próximas do presidente.
A Finlândia chega a elogiar o Brasil por ter “ao longo dos anos, realizado um bom trabalho na redução do desmatamento”. Mas, deixando de lado o tom elogioso, cita a adesão de Brasília ao Acordo de Paris e acrescenta que “a comunidade internacional conta com que o Brasil honre seus compromissos ambientais”.
Os belgas fazem chamamento parecido. “Esperamos mesmo que o Brasil respeite seus engajamentos em acordos internacionais, como o de Paris, e aja de forma responsável dentro dos limites do multilateralismo no que se refere a clima e comércio.”
A chancelaria da França, país com quem Bolsonaro antagonizou de modo mais ríspido nos últimos dias, afirmou que a posição de Paris “foi expressa claramente pelo presidente da República [Emmanuel Macron] e pelo chanceler [Jean-Yves Le Drian]”.
Macron acusa o presidente brasileiro de ter mentido sobre seu compromisso em defesa do meio ambiente na cúpula do G20 no Japão, em junho.”
Também procurada, a Irlanda apenas reiterou seu posicionamento expresso anteriormente pelo primeiro-ministro, Leo Varadkar, de que “não há nenhuma chance de votarmos a favor se o Brasil não honrar seus compromissos ambientais”.
Entre os que pegam leve com o governo brasileiro estão os britânicos, para quem a implementação do acordo não deverá ser uma questão real, dado que devem sair do bloco. O país é governado por Boris Johnson, um populista conservador de estilo em muitos aspectos parecido com o do brasileiro, o que talvez explique o tom morno adotado.
“Certamente penso que é melhor conversar do que fazer intimidação com megafone. Temos de convencê-los [os brasileiros] a usar métodos sensatos para reduzir o problema”, afirmou Christopher Pincher, ministro do governo para as Américas, ao ser questionado por deputados no Parlamento.
Dos questionados pela reportagem, Itália, Chipre e Dinamarca declinaram da sondagem para participar do levantamento. Já os países que não responderam aos pedidos foram Grécia, Hungria, Malta, República Tcheca, Polônia, Romênia, Áustria e Croácia.