Documentos mostram luta do Instagram para manter adolescentes na rede
Quando o Instagram alcançou 1 bilhão de usuários em 2018, Mark Zuckerberg, o executivo-chefe do Facebook, chamou o…
Quando o Instagram alcançou 1 bilhão de usuários em 2018, Mark Zuckerberg, o executivo-chefe do Facebook, chamou o fato de “um sucesso notável”. O aplicativo de compartilhamento de fotos, de propriedade do Facebook, foi amplamente saudado como um sucesso entre os jovens e celebrado como um motor de crescimento da rede social.
Enquanto Zuckerberg elogiava o Instagram, porém, o app lamentava internamente a perda de usuários adolescentes para outras plataformas de rede social como uma “ameaça existencial”, segundo uma apresentação de marketing de 2018.
No ano passado, a questão havia se tornado urgente, segundo documentos internos do Instagram obtidos por The New York Times.
“Se perdermos a base adolescente nos EUA, perderemos o canal de abastecimento” [pipeline], dizia um memorando estratégico, de outubro de 2020, que expunha um plano de marketing para este ano.
Diante dessa ameaça, o Instagram não se arriscou. A partir de 2018, destinou quase todo o seu orçamento anual de marketing global —previsto para US$ 390 milhões (R$ 2,13 bilhões) este ano— para alcançar os adolescentes, principalmente por meio de anúncios digitais, de acordo com documentos de planejamento e pessoas diretamente envolvidas no processo. Enfocar tão singularmente uma faixa etária limitada é muito incomum, dizem os profissionais de marketing, embora o gasto final tenha ido além dos adolescentes e englobado seus pais e jovens adultos.
Os documentos do Instagram, que não foram noticiados antes, revelam a angústia e o pavor da empresa enquanto ela lutava nos bastidores para reter, envolver e atrair jovens usuários. Mesmo quando o Instagram foi anunciado como uma das joias da coroa do Facebook, a empresa recorreu a gastos extraordinários para chamar a atenção dos adolescentes. Enfatizou especialmente uma categoria chamada “ensino médio inicial”, que classificou como jovens de 13 a 15 anos.
Essas revelações salientam o quanto está em jogo para o Facebook, que tenta responder a um clamor do Congresso e do público sobre os efeitos do Instagram na saúde mental dos usuários. Segundo documentos vazados por uma denunciante do Facebook, Frances Haugen, e publicados por The Wall Street Journal, o Facebook sabe que algumas adolescentes relataram se sentir pior sobre sua imagem corporal quando usam o Instagram. Haugen depôs em uma audiência no Senado neste mês, afirmando que o Facebook deliberadamente mantém as pessoas, incluindo crianças, viciadas em seus serviços.
O medo do Instagram de perder usuários jovens também destaca o quanto a indústria da internet os valoriza —e como a atenção deles pode ser fugaz, mesmo por um aplicativo que também é jovem. O Instagram, que foi comprado pelo Facebook em 2012, tem menos de 12 anos. Seu prestígio é grande com adolescentes, mas rivais como TikTok, o app de vídeo de propriedade chinesa, e Snapchat, app de mensagens efêmeras, vêm logo atrás.
As preocupações sobre usuários adolescentes aumentaram recentemente entre os executivos do Instagram, incluindo Adam Mosseri, o chefe do aplicativo, disseram cinco funcionários atuais e ex-funcionários que não estavam autorizados a falar publicamente.
Em uma reunião no mês passado, segundo eles, os executivos examinaram dados que mostram que o crescimento do número de novos usuários adolescentes durante a pandemia estava acabando. O “tempo gasto por adolescentes”, termo que denota quantas horas por dia os adolescentes passam no Instagram, também diminuiu. Isso foi alarmante porque o Instagram contava que os adolescentes passassem em média três a quatro horas por dia no aplicativo, quase o dobro do tempo dedicado pelos adultos, disseram eles.
Liza Crenshaw, porta-voz do Facebook, disse em comunicado que não é verdade que o Instagram concentra todo o seu orçamento de marketing nos adolescentes. Mas ter adolescentes como parte da estratégia de marketing não é surpreendente, acrescentou ela, já que a empresa há muito tempo diz que “os adolescentes são uma de nossas comunidades mais importantes porque eles identificam e definem tendências”.
Em depoimento ao Congresso no mês passado, Antigone Davis, diretora global de segurança do Facebook, rejeitou a premissa de que o Instagram prejudica adolescentes, apontando uma pesquisa que mostrou que eles tiveram experiências positivas com o app.
O Facebook, que inicialmente era voltado para estudantes universitários, há muito depende do público jovem. Por lei, seus usuários devem ter 13 anos ou mais. A Lei de Proteção à Privacidade da Criança na Internet dos EUA, de 1998, torna ilegal armazenar ou coletar informações pessoais de menores de 13 anos.
Em 2013, David Ebersman, então diretor financeiro do Facebook, alertou em uma declaração de ganhos que os usuários diários da empresa haviam diminuído, “especificamente entre os adolescentes mais jovens”. Depois que o preço das ações do Facebook despencou com o comentário, Sheryl Sandberg, a diretora de operações, disse que a reação à declaração de Ebersman foi “desproporcional”.
Naquele mesmo ano, Zuckerberg tentou —sem sucesso— comprar o Snapchat para aumentar o apelo do Facebook entre os usuários jovens. Então a empresa decidiu atrair os jovens com apps que já possuía, como o Instagram, disseram duas pessoas informadas sobre a decisão. Em 2016, o Instagram copiou uma função chave do Snapchat conhecida como Stories, que permite às pessoas fazer vídeos e fotos e publicá-los como atualizações de status temporárias durante 24 horas.
Em uma apresentação em julho de 2017 que analisou uma campanha de marketing para o recurso Stories do Instagram, o aplicativo descobriu que os estudantes em idade universitária foram mais rápidos em usar o Stories, enquanto os de 15 a 19 anos ficaram em segundo lugar. Mas os jovens de 13 a 15 anos “não responderam”, afirmou o documento.
“Temos que trabalhar mais para ganhar espaço com os adolescentes mais jovens”, afirma o documento.
O interesse por adolescentes mais jovens levantou questões internas. Em 2017 e no início de 2018, disseram três funcionários, alguns empregados do Instagram perguntaram se as campanhas publicitárias dirigidas a jovens de 13 anos poderiam atrair inadvertidamente crianças de apenas 11 anos.
O Facebook sabia que um anúncio destinado a um jovem de 13 anos provavelmente atrairia crianças mais novas, que desejam imitar seus irmãos e amigos mais velhos, disse uma pessoa. Os diretores disseram aos funcionários que o Facebook fazia o possível para impedir que menores de idade entrassem no Instagram, mas que não podia fazer nada se eles se inscrevessem de qualquer maneira.
Em setembro de 2018, Kevin Systrom e Mike Krieger, fundadores do Instagram, deixaram o Facebook após entrarem em conflito com Zuckerberg. Mosseri, um antigo executivo do Facebook, foi nomeado para dirigir o Instagram.
Com as mudanças de liderança, o Facebook fez de tudo para transformar o Instagram em uma grande atração para o público jovem, disseram quatro ex-funcionários. Isso coincidiu com a percepção de que o próprio Facebook, que se debatia com a privacidade de dados e outros escândalos, nunca seria um destino para adolescentes, disseram as pessoas.
O Instagram começou a se concentrar no ponto “tempo gasto por adolescentes”, disseram três ex-funcionários. O objetivo era aumentar a quantidade de tempo que os adolescentes passavam no app com recursos como Instagram Live, uma ferramenta de transmissão, e Instagram TV, onde as pessoas carregam vídeos que duram até uma hora.
Quando surgiu a pandemia de coronavírus no ano passado, levando as pessoas a ficarem em casa por segurança, o “tempo gasto por adolescentes” aumentou para três a quatro horas por dia em média nos Estados Unidos, em comparação com uma a duas horas antes, disseram dois ex-funcionários. Os adultos gastavam de 30 a 45 minutos por dia no site.
Mas enquanto um documento de planejamento de setembro de 2020 para o marketing do Instagram mostrou que o aplicativo aumentou seu número de usuários diários em quase 24% em relação ao ano anterior, algumas métricas sobre adolescentes tinham começado a cair. O Snapchat era o aplicativo preferido para melhores amigos que queriam trocar mensagens entre si, dizia o documento, e o TikTok estava disputando com o YouTube adolescentes que compartilhavam vídeos.
“Em plena Covid, os jovens estão considerando os principais recursos de compartilhamento do IG menos divertidos que antes, e não ter nada para compartilhar agora continua sendo um obstáculo a compartilhar mais”, disse o documento.
Um documento estratégico de outubro de 2020, “Abordagem de marketing do Instagram para 2021”, indicou outros sinais de alerta. Uma pesquisa com pessoas de 13 a 44 anos que trocaram o Instagram por concorrentes mostrou que pessoas de todas as idades estavam usando mais o YouTube e o TikTok, com os adolescentes gravitando mais especificamente para o Snapchat.
“Esses aplicativos oferecem coisas pelas quais o Instagram é menos conhecido —interesses de comunicação e entretenimento”, disse.
Em maio, Mosseri compartilhou uma “declaração de visão” do Instagram com os funcionários. Em uma postagem interna, vista pelo Times, ele disse que o aplicativo seria “um lugar onde os jovens se definem e definem o futuro”. E acrescentou que “os jovens e criadores estão na vanguarda da cultura emergente, que é onde o Instagram atua”.
Naquela época, o Instagram estava trabalhando em um aplicativo para crianças menores de 13 anos. Mosseri e Pavni Diwanji, vice-presidente do Facebook que criou o YouTube Kids, começaram a recrutar para um “pilar da Juventude no Instagram”, uma força-tarefa para produtos infantis.
No mês passado, depois que os documentos de Haugen revelaram que o Instagram havia prejudicado a autoimagem de algumas adolescentes, Mosseri interrompeu o desenvolvimento do aplicativo infantil. Mas disse em um blog que o trabalho não acabou e que o Instagram deve criar um serviço com medidas de segurança e conteúdo adequado para crianças de 10 a 12 anos.
“Acreditamos que construir o ‘Instagram Kids’ é a coisa certa a fazer”, escreveu ele, acrescentando: “A realidade é que as crianças já estão online”.