Excesso de informação: impactos na comunicação e no cérebro
Qual será o impacto provocado na nossa comunicação por esse momento frenético de produção e compartilhamento exponencial de informação?
Em tempos de coronavírus, um dos impactos diretos na nossa rotina é o do excesso de informação. Muitas vezes, estamos ansiosos buscando mais e mais notícias sobre a pandemia que pegou o mundo surpresa. Mas será que conseguiremos estar 100% atualizados de tudo que acontece? E mais: temos capacidade cognitiva para tanta informação?
O que é information overload
Chame do que você quiser: excesso, fadiga, sobrecarga, ansiedade da informação, “infobesity” ou “infoxication”. O fato é que, nos dias de hoje, existem muitas formas de se referir ao contexto provocado de volume exponencial de informação que impacta a forma como vivemos, como nos comunicamos e, sobretudo, impacta na qualidade das nossas relações e no resultado da comunicação.
O termo “information overload” foi popularizado com o livro “O Choque do Futuro” (Future Shock) de Alvin Toffler, publicado na década de 1970, e se refere a um futuro em que o cérebro humano seria incapaz de processar o volume de informações geradas:
“…quando a quantidade de entrada em um sistema excede sua capacidade de processamento, os tomadores de decisão têm capacidade de processamento cognitivo bastante limitada. Consequentemente, quando ocorre sobrecarga de informações, é provável que ocorra uma redução na qualidade da decisão.”
A sabedoria bíblica previu milhares de anos atrás que “não há limite para fazer livros” (Eclesiastes 12:12), o que de fato é uma verdade. De acordo com uma reportagem do Portal Rede Globo, são editados diariamente mil novos livros em todo o mundo.
O texto acrescenta:
“Uma edição de domingo do jornal The New York Times, por exemplo, contém mais informação do que um cidadão do Século 17 recebia ao longo de toda a sua vida. Parece exagero, mas estão em circulação no planeta mais de 100 mil revistas científicas. Fora isso, quem vive nas cidades grandes é bombardeado o tempo todo por várias informações, sejam visuais, ou sonoras.”
Impacto no cérebro
O impacto de tanta informação e novos recursos tecnológicos cobra a conta do nosso cérebro em atividades corriqueiras que envolvem a nossa memória e capacidade de tomar decisões, por exemplo.
Com a alta carga de ansiedade, nosso córtex pré-frontal – área de uma forma geral mais ligada ao raciocínio e à tomada de decisão – fica com capacidade de atuação limitada, com mais dificuldade de estimular sinapses quando tentamos recuperar uma informação diante de tantos estímulos. Estamos de certa forma estafados, cansados e cada vez mais esquecidos.
Certa vez, preocupada com as reiteradas vezes que a minha memória havia me deixado na mão, algo muito incomum se comparado há dez anos, procurei um neurologista para relatar as situações e buscar tratamento.
Após alguns exames e uma série de questionamentos na anamnese, ele me explicou didaticamente o que se passava. Imagine sua avó aos 30 anos: quais eram as atividades e preocupações diárias dela? Alimentação dos filhos, tarefas domésticas? Você tem filhos? É casada? Eu disse que não. Mesmo assim, quais são suas preocupações hoje? Comecei então a relatar sobre metas do trabalho, cobranças pelo desempenho da equipe, cursos para fazer (na época eu fazia três MBAs aos finais de semana), contas a pagar e a lista só aumentava.
“Sem querer menosprezar as preocupações e responsabilidades da sua avó”, ele disse, “mas hoje o volume de tarefas e cobranças faz com que o seu cérebro fique mais sobrecarregado, tendo dificuldade de armazenar memórias de curto prazo. Sua sensação de esquecimento é maior”.
Ficamos mais superficiais?
No livro “A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros” de Nicholas Carr traz uma contextualização histórica de como as tecnologias mudaram a dinâmica do cérebro humano e mostra, ao longo dos anos, como aos poucos estamos mudando circuito neurais a partir de nossos hábitos:
“Seu uso (ferramentas tecnológicas) fortaleceu alguns circuitos neurais e enfraqueceu outros, reforçou certos traços mentais enquanto deixou esmaecer outros. (…) O tempo que gastamos vasculhando web pages encolhe o tempo que passamos lendo livros, como o tempo que gastamos trocando mensagens de texto medidas em bites encolhe o tempo que passamos compondo sentenças e parágrafos, como o tempo que gastamos pulando entre links dão suporte a essas antigas funções intelectuais enfraquecem e começam a se romper. O cérebro recicla os neurônios e as sinapses não usadas para outros trabalhos mais prementes. Ganhamos novas habilidades e perspectivas, mas perdemos as antigas.”
Quantas vezes por dia seu smartphone recebe uma notificação de mensagem alertando sobre um assunto “urgente” que precisa da sua atenção? Se a resposta é: “não tenho ideia”, bem-vindo (a) à realidade mais comum dos dias de hoje.
Tendo à mão inúmeras tecnologias que facilitam cada vez mais a comunicação entre as pessoas, somos surpreendidos a cada instante por um paradoxo na forma como o aparato tecnológico, que supostamente deveria facilitar as relações, gera uma fadiga de estímulos muitas vezes desnecessários em nossa vida.
Numa rápida análise de um “app” de mensagens instantâneas em um dia, poderemos analisar a qualidade e, sobretudo, o volume excessivo de mensagens a que somos submetidos até mesmo à revelia.
Em um dia comum recebi 80 contatos nesse único aplicativo. Foram enviadas em média 2.500 mensagens de textos, áudios, imagens e vídeos. Além do volume de informações, a maior parte, 82,5% dos contatos, foram feitos por meio de mensagens em massa. 22,5% dos contatos vieram de 18 grupos que geraram perto de 1.800 mensagens, a maioria sem interesse direto! Apenas 17,5% foram contatos efetivamente direcionados, com um real propósito de se comunicar de maneira direta e personalizada.
High tech x high touch
Philp Kotler, em seu livro Marketing 4.0 aborda sobre o paradoxo que nos acomete nos dias de hoje: “Vivemos em um mundo high tech, mas queremos um contato high touch. Quanto mais somos sociais, mais queremos algo feito para nós.”
Queremos desfrutar ao máximo da tecnologia disponível para facilitar o contato com as pessoas, mas estamos estafados pelo estímulo excessivo e sem obter de fato os benefícios disponíveis pelos avanços tecnológicos. Sem contar que certamente ainda temos muito a vivenciar em termos de novas tecnologias de comunicação entre as pessoas.
Cada um, a seu modo e sem o devido preparo, busca uma vantagem competitiva ao estabelecer relações com as pessoas por meio de atalhos como aplicativos, redes sociais, sites e tudo o mais que o mundo virtual nos proporciona.
O desafio, portanto, é praticar uma comunicação consciente, one-to-one, high-touch e sem pressa. Não somos contrários à tecnologia. Só destacamos a importância de usá-la a nosso favor em busca de aproximação e experiências úteis e prazerosas com as pessoas.
Ao tomar consciência de todo esse cenário, precisamos adquirir habilidades de filtragem de informações relevantes e nos blindar ao máximo à tentação de pular de uma atividade para outra, de não dar a devida atenção às interações pessoais, que exigem o olhar, a intenção de ouvir para compreender, uma comunicação com objetivo e propósito e não apenas discursos vazios.
Para ajudar, podemos pensar em desligar notificações desnecessárias e também desenvolver atividades que podem retomar nossa capacidade de ler e compreender um texto, escrever para testar nossa capacidade argumentativa e expositiva. E, claro, realizar atividades para tentar acalmar nossa mente que caminha no embalo das mudanças tecnológicas. Tarefa fácil? Certamente não! Mas não podemos desistir.