Nasa inicia busca por vestígios de vida em Marte com lançamento do Perseverance
Depois de uma jornada que começou nesta quinta-feira (30), às 8h50m (horário de Brasília), e…
Depois de uma jornada que começou nesta quinta-feira (30), às 8h50m (horário de Brasília), e só deve terminar em 18 de fevereiro de 2021, o veículo Perseverance, da Nasa, estará pertinho de Marte. O lançamento pode ser acompanhado abaixo.
A essa altura, viajará pelo espaço a 28 mil quilômetros por hora e já terá enfrentado desafios complexos, como o próprio lançamento a bordo do foguete Atlas-V, no Cabo Canaveral, na Flórida (EUA). Será quando ficará diante de sua manobra mais arriscada: a travessia da atmosfera e o pouso no planeta vermelho. Tudo acontece em sete minutos.
— Em sete minutos, a velocidade precisa baixar para zero, de uma forma controlada. Essa operação começa a mais ou menos 100 quilômetros da superfície, com a entrada na atmosfera, quando o veículo começa a sentir o atrito. O ar é super rarefeito mas, mesmo assim, vira uma bola de fogo na entrada da atmosfera — explica o cientista brasileiro Ivair Gontijo, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JPL, na sigla em inglês), integrante da missão Mars 2020.
Mais de 80% da velocidade do Perseverance é perdida nesse momento. É quando o paraquedas supersônico abre.
— Ele é enorme, com 21 metros de diâmetro. A velocidade diminui muito. Mas, como estamos em Marte, o ar é muito fino, e o paraquedas não segura o veículo por muito tempo. Ele vai murchar — diz Gontijo.
Justamente por isso, os engenheiros da Nasa tiveram que bolar um sistema para separar o veículo do paraquedas antes do impacto e permitir um pouso seguro. O risco é espatifar a nave contra o solo de Marte. Parece difícil, e é.
Tubos com possível matéria orgânica serão deixados no planeta
A tecnologia singular que a Nasa aprimora há décadas está longe de ser o único detalhe complexo da missão. A Perseverance é o mais moderno veículo interplanetário já desenvolvido. Os planos traçados por seus construtores, há quase uma década, incluem a busca pelos vestígios de um passado com vida microbiana em Marte, em uma cratera profunda, batizada de Jezero.
Ela tem as linhas de um lago bem desenhadas, e sinalizações do delta de um rio que correu por lá em algum momento do passado distante. Mas não é só.
— Estaremos, então, preparando o caminho para os humanos — ressalta Gontijo.
A missão da Nasa também está preparada para produzir oxigênio em solo marciano. Entre seus vários instrumentos científicos, um deles é o MOXIE (Mars Oxygen ISRU Experiment). O experimento pretende transformar CO2 (gás carbônico) da atmosfera rarefeita de Marte em oxigênio, que, um dia, poderá servir a duas funções primordiais para quem deseja fincar raízes no planeta vermelho.
A primeira delas é fornecer de oxigênio para o consumo dos astronautas que cheguem por lá. A outra é suprir naves projetadas para fazer o caminho de volta, de Marte para a Terra, algo que, por ora, ainda não tem data para acontecer.
Essas viagens de retorno coincidem com os interesses da Perseverance. Se tudo der certo, o veículo vai recolher fragmentos de matéria que indiquem a presença de carbono. Eles serão acondicionados em tubos, que serão deixados pelo rover em Marte até que outra missão consiga trazê-los para a Terra, onde atualmente já há farta tecnologia capaz de analisar esse material.
— Estamos demonstrando (como é) a tecnologia de ir para Marte, coletar amostras, trazer de volta para Terra, portanto tratando das viagens de ida e de volta e, ainda, de como produzir oxigênio no planeta. Ou seja, tratando da chegada dos humanos em Marte — acrescenta Gontijo.
Embora a missão seja farta em ineditismo, não é a primeira vez que a Nasa procura vestígios de vida em Marte. Em 1976, a agência teve esse mesmo propósito com as duas missões Vikings, que levaram sondas ao planeta e cujo resultado foi inconclusivo.
Sondas na órbita de Marte já são acessíveis a outras nações
Se há mais de 40 anos o sonho de observar Marte de perto era restrito aos cientistas americanos e russos, que travavam a corrida espacial nos tempos da Guerra Fria, hoje outras nações também almejam o mesmo objetivo — e investem pesado para isso.
Nos últimos dias, a China e os Emirados Árabes Unidos, valendo-se de uma janela na qual Terra e Marte estão mais perto um do outro (a próxima só ocorrerá em 26 meses), lançaram missões que já viajam pelo espaço.
Os chineses, cujo programa se notabiliza pela falta de informações públicas, também querem pousar em Marte, com a missão Tianwen-1, lançada no dia 23 de julho e que, aliás, já enviou imagens para seus controladores. Os objetivos conhecidos são levar uma sonda orbital para fazer a observação de Marte e um rover, que percorrerá o solo marciano.
Caso a China seja bem-sucedida, ela dá um passo tecnológico gigante, especialmente por enfrentar o temido processo de pouso. As informações oficiais da China apontam que, neste momento, a Tiawen-1 já abandonou o campo gravitacional da Terra e segue normalmente sua trajetória.
A grande surpresa desse período movimentado na exploração de Marte fica por conta da missão Hope, dos Emirados Árabes, lançada no último dia 19 por um foguete de fabricação japonesa. E seus objetivos são relevantes não só para os cientistas do país. A Hope Mars vai analisar durante um ano inteiro o clima na atmosfera de Marte, identificando variações diárias e sazonais.
Entre os mistérios que essa missão pode desvendar está a razão pela qual o planeta foi perdendo parte de sua atmosfera ao longo dos últimos bilhões de anos.
Colônia marciana em 2117
Além de desejarem novas tecnologias para diminuir a própria dependência do petróleo, os EAU têm planos audaciosos para estabelecer uma colônia por lá, no distante ano de 2117.
Um dos idealizadores da Missão Garatéa, tentativa pioneira do Brasil de colocar uma sonda na Lua, o empreendedor espacial Lucas Fonseca lembra que atividades espaciais sempre trazem componente midiático muito forte.
— O anúncio de que os EAU pretendem construir em Marte uma cidade similar a Dubai no período de 100 anos vem no esforço do país de se integrar em uma economia futura, em uma tentativa clara de dizer ao mundo que estão prontos para participar de grandes conquistas da humanidade. Como um sinal claro de integração global, a missão Hope foi liderada por uma cientista, Sarah Al-Amiri, além de contar com um time jovem de especialistas com participação expressiva de mulheres — diz.
Por outro lado, ele lembra, a China vem assumindo papel de protagonista junto aos EUA, ampliando cada vez mais sua participação em missões de espaço profundo, realizando feitos expressivos na Lua e agora enviando sua própria missão para Marte.
— Essa nova corrida espacial entre potências possui uma vertente geopolítica forte, mas diferindo da histórica corrida entre os soviéticos e americanos. Dessa vez os países buscam pela primeira vez acesso a recursos vastos em nosso sistema solar —diz.