Crítica

Vampyr: uma sede desbalanceada

Jogo tenta compensar sua falta de polimento e inúmeros problemas técnicos com excelente imersão e narrativa

Após o enorme sucesso comercial do jogo Life is Strange, o pequeno estúdio independente Dontnod resolveu alçar voos mais altos. Vampyr, seu novo jogo, é um RPG de aventura completo, original e feito de forma independente com o apertado orçamento do estúdio.

Deixando o estilo point’n’click de lado, Vampyr possui dezenas de partes móveis, mas não deixa de lado as suas raízes: uma boa história, muitos diálogos e escolhas difíceis aguardam o jogador neste game.

Mas nem tudo são flores nesta aventura sombria: falta de polimento e problemas técnicos se espalham pelo game, podendo atrapalhar a aventura dos jogadores mais impacientes ou mais exigentes.

O bom

Vampyr se passa em 1918 no final da Primeira Guerra Mundial e bem em meio à epidemia de gripe espanhola em Londres. Você interpreta o papel de Jonathan Reid, um médico e cientista respeitado mundialmente que retorna à cidade após passar três anos no front da França. Ou voltaria: você acorda em uma cova coletiva nas docas da cidade e só volta a si após sugar o sangue da própria irmã até a morte.

Sem memória do que aconteceu e agora um homem dividido entre as sombras de ser um vampiro e a sua vocação para a medicina, você embarca em uma jornada em busca de respostas. Caberá ao jogador saber se no caminho Reid poderá ajudar a salvar Londres de si mesma ou se vai ajudá-la a mergulhar no caos, se tornando um temível senhor das trevas.

A história é de longe o fator mais envolvente e lembra muito uma aventura de Mundo das Trevas. Jogadores de RPG antigos que sentem falta de um bom video game de Vampiro: A Máscara, certamente irão se deleitar ao encontrar diversas criaturas da noite e mergulhar em uma trama de intriga e política entre seres imortais.

É uma grande premissa e Vampyr a cumpre com graus variados de sucesso. Sua principal força está em imersão e narrativa. Embora o game possua uma história principal e o jogador não possa mudar certos pontos nevrálgicos dela, a Dontnod claramente queria deixar que cada um pudesse criar seu próprio Reid e sua própria história.

Sendo assim, o jogo salva automaticamente de forma constante e uma mensagem no menu inicial deixa claro: não há salvamento manual e não há como voltar em saves antigos. “Assuma a responsabilidade das suas ações”, diz o aviso, comprometendo o jogador com suas escolhas e dando um bom motivo para replay após zerar o game.

Outros fatores entram nas escolhas o tempo todo: várias opções de diálogo são trancadas. Para desbloqueá-las o jogador precisa fofocar, investigar, conseguir dicas e informações que permitem maior intimidade com os personagens. Fora isso, Reid pode tratar os personagens, curando-os de doenças simples.

Mas a questão mais marcante está em como a dificuldade do jogo é nivelada. Todos os outros personagens, mais cedo ou mais tarde, podem ser enfeitiçados e servir de lanche para o jogador. Naturalmente, sair sugando o sangue de todos vai afetar drasticamente a história do jogo, eliminando linhas de quests inteiras. Até a geografia do jogo muda: bairros com mais mortes se tornam infestados de zumbis, ghouls e vampiros.

Deixar os personagens vivos é o mais sensato, porém, o jogo se torna muito mais difícil: chefões com facilmente o dobro do seu nível aparecem logo de cara, mas missões iniciais do jogo. Além disso, o game faz questão de introduzir alguns personagens aparentemente desprezíveis, claramente para incentivar o jogador a ceder à tentação do sangue. O motivo de tudo isso é simples: sugar personagens oferece uma quantidade absurda de XP.

Matando apenas alguns personagens, Reid pode se tornar extremamente poderoso no começo do jogo, mas até que ponto o jogador quer sacrificar o game em troca desse poder?

Especialmente se levarmos em conta que o jogo é, como dizemos, profundamente imersivo e narrativo. Quando a história engrena, você vai querer saber o que vai acontecer. Todos os coadjuvantes são interessantes e o jogador vai facilmente se sentir instigado a fazer as missões paralelas para aprender mais sobre eles.

Teoricamente, tudo casa muito bem, mas, na prática, não é bem assim.

O ruim

Usando a Unreal engine, as ruas de Londres são belíssimas à primeira vista em Vampyr. Até que você ignora os efeitos de luz e partículas e chega um pouco mais perto ou, pior, decide conversar com um NPC e a ilusão vai embora. O jogo é, muitas vezes, datado, tendo a aparência de um game da geração passada ou, senão, consegue ser ainda pior: ele é abertamente feio.

O game sofre com uma falta de polimento generalizada. Problemas no som, na dublagem, pop-in, carregamento, até no lipsync. Jogando no PS4, o game era inconstante, travando de forma irremediável várias vezes, me obrigando a fechar e reiniciar o jogo.

O fato de que o jogo possui vários sistemas não ajuda: crafting, upgrades, habilidades, armas, doenças… todos funcionam decentemente, mas com tantas partes móveis, o resultado fica bem abaixo do esperado e do ideal. Por um lado, é impressionante o quão robusto é o jogo da Dontnod, mas suas falhas não deixam ser incômodas.

(Divulgação)

O que mais sofre com isso é seu combate e movimentação. Truncados, o jogo logo caminha de desafiador para injusto. Isso não seria um problema se o combate não fosse uma parte central da experiência do jogo. Você estará lutando o tempo todo, e cada vez que a o sistema de detecção falha ou os controles não reagem com a fidelidade esperada, é uma frustração a mais para o jogador.

Além disso, como dito anteriormente, essa combinação com o sistema de dificuldade do jogo gera problemas. O game joga desafios intensos muito cedo, colocando chefes com mais do dobro do seu nível no caminho da trama principal. Com o combate ruim e o sistema travado, superar esses desafios se torna uma verdadeira dor de cabeça. O resultado é bem desbalanceado.

O veredito

Como jogo intermediário, Vampyr é um jogo muito ambicioso e consegue entregar a maior parte da sua visão. Infelizmente, problemas técnicos abundam e a falta geral de polimento em todos os aspectos técnicos e práticos podem comprometer a diversão.

Por outro lado, o jogo traz ideias muito interessantes de narrativa, além de ter sistemas muito interessantes que permitem grande agência por parte do jogador sobre o mundo ao seu redor. Isso combinado a uma boa história e uma imersão incomparável, tornam o jogo muito divertido, envolvente e atraente, ainda mais para os jogadores que foram fãs dos jogos de RPG de Mundo das Trevas.